quinta-feira, 16 de setembro de 2010

CONTOS

Eram oito jovens, que saindo da praia, resolveram ir a uma pequena floresta para colherem mangas. Essa pequena floresta era conhecida como ROÇA DAS FREIRAS. Era um lugar muito conhecido pelos mitos e lendas que os mais idosos contavam. Histórias que deixavam os garotos arrepiados. Diziam os mais idosos que ali já havia aparecido caipora lobisomem, cobras gigantes, etc.

A Roça das Freiras era uma área federal protegida por vigilantes de dia e de noite, mas isso não impedia que os garotos por inúmeras vezes adentrassem naquela mata para caçarem sariguês, pássaros, colher frutas, etc.

Desta vez eles estavam ali para colherem mangas, pois voltaram da praia com muita fome. Estava na época da fruta e o lugar era repleto de mangueiras: mangas rosa, espada, mangas de leite, diversos tipos de mangas.

Quando os garotos entraram na floresta resolveram ir ao lugar onde predominava a manga espada, o lugar ficava mais escondido e mais afastado da visão dos vigilantes. Escolheram este lugar também porque a manga espada era a preferida deles.

Andaram então pelo meio do matagal e no meio do caminho decidiram bifurca-se. Um grupo de três garotos foi para o pé de jenipapo, este grupo era liderado pelo mais velhos deles, Reginaldo, mais conhecido como Barroso. Os outros dois eram Renato e Luciano (LU).

Do grupo que seguiu para as mangueiras foram cinco, os mais velhos: Mauricio (passarinho), Nival (Bulu), Gilson (Ovo de Bode) e os menores: Rodrigo (Borô), irmão de Bulu e Davi (Bomba) primo de Borô e Bulu.

A fome deles era tão grande que Bulu subiu na mangueira em um piscar de olhos.

Bomba e Borô foram guardar os pedaços de pranchas que estavam na mão para poder pegar as mangas que Bulu iria jogar de cima da árvore, Ovo de Bode procurava as mangas que caiam de maduras, já passarinho foi fazer uma pequena necessidade atrás de uma moita, ele sempre dizia que ficava muito entornado quando não podia comer o que seus olhos queriam, então sempre que adentrava nos matagais para colher frutas, corria para uma moita para esvaziar a barriga e desta forma poder satisfazer seus grandes olhos famintos.

À uns 150 metros dali, Lú e Barroso já haviam subido no pé de jenipapo, enquanto Renato aguardava embaixo para pegar as frutas que os outros dois jogariam.

Estava tudo ás mil maravilhas, até que Passarinho quando já estava se limpando com uma folha de uma planta qualquer, pressentiu algo diferente e apressou-se em alertar a turma:

- Galera! Estar rolando alguma onda diferente aqui perto vu véi. Eu ouvir uns barulhos estranhos!

Bulu que estava todo empolgado com o olhar fixo nas grandes mangas espadas fez pouco caso.

- Que nada rapaz, deve ser algum daqueles vigilantes fazendo ronda por ai, devido ao show do Olodum que estar tocando hoje aqui. Falou Bulu já se adiantando atrás de uma manga que havia avistado. Porém Borô ficou em estado de alerta, pois imaginou que o barulho poderia ser um dos bichos lendários que os mais velhos contavam que existiam ali.

Já era a décima folha que a plantinha perdia para que Passarinho pudesse se limpar. De repente, levou outro grande susto e alertou a turma:

- Rapaziada estar Rolando alguma onda doida ai vêi! Apressou-se então em levantar rapidamente o calção, quando o calção estava na metade das pernas... Avistou o terror, por pouco não defecou de novo de medo. Seu corpo ficou paralisado, o máximo que conseguiu fazer foi erguer todo o calção. Daí nenhum dos seus membros já não o obedeciam.

Borô teve a mesma sensação de terror, Em um impulso repentino o corpo teve a reação de sair correndo, mas algo prendia seus pés no chão, o coração batia acelerado, o corpo entrou em estado de inércia.

Bulu que estava em um galho muito alto e de difícil acesso, sentiu o ar lhe faltar, pensou em ficar escondido atrás de um galho, mas não o fez, ficou ali paralisado esperando o que iria acontecer.

O mesmo aconteceu com Ovo de Bode e Bomba, ficaram ali petrificados, desejando nunca estarem ali naquele momento.

Do outro lado da floresta, Lu e Barroso eram verdadeiras estátuas, suas aparências ficaram fantamasgórica, no mesmo momento, Renato corria em disparada por dentro do matagal, parecia um atleta, buscando ouro na olimpíada, sentia-se como uma presa correndo do predador.

Naquele momento o mundo para todos eles havia parado, dava para ouvir a batida dos seus corações e o arquejar de suas respirações ofegantes em tamanha tensão que os circundavam. Todos os pensamentos misturavam-se com o medo e a incerteza, arrependiam-se amargamente de estarem ali.

- Pule! Pule! Gritava uma voz irritada quando avistou Bulu na árvore.

- Todos juntos! Mãos uns nas costas dos outros! Exclamava outra voz com toda autoridade

Do outro lado, ecoava a mesma frase que a pouco ordenava para Bulu pular da árvore, mas essa com muito mais furor:

- Pule! Pule sua disgrama vamos!

Barroso tentava descer com cuidado, mas a voz que vinha de baixo exclamava com mais furor e intensidade, fazendo os seus braços tremerem tanto a ponto de quase despencar da árvore.

- Pule! Pule! A voz bramava com mais furor.

Utilizando toda sua esperteza, e desafiando aquela voz estridente, ia descendo pouco a pouco, mas quando estava na metade da árvore a voz foi tão estridente que seu corpo parecia ter criado vida própria, então de uma só vez, deixou o braço desvencilhar-se da árvore indo diretamente de encontro ao chão.

A situação de Lu era um pouco mais complicada, estava em um galho de difícil acesso. Ele podia sentir o grave daquela voz estourando seus tímpanos, o coração parecia que ia sair pela boca, ele sabia que não podia pular daquela altura, porém o medo daquela voz era maior do que se emborrachar no chão. Por pouco ele não pulou, mas preferiu com todo o seu temor, desafiar a voz, até que pudesse chegar a uma altura que lhe desse mais segurança para pular. Foi descendo com cuidado, as lágrimas queriam escorrer pelos olhos, mas ele relutava a chorar. Nasceu no meio de pessoas que o ensinavam que homem não chora. Quando estava quase na metade da árvore sentiu uma matéria dura atingir-lhe a cabeça. Sua coragem já não era mais a mesma, teve coragem, mas não de continuar desafiando a voz, teve coragem de pular da árvore sem medir as conseqüências. Deu um impulso e pulou.

Nas mangueiras, Bulu tinha feito o mesmo que Barroso e Lu, chegou na metade da árvore e pulou. Ao levantar juntou-se ao outros garotos, que estavam em fila indiana, aguardando impacientes o que viria a acontecer com eles.

- O que é que vocês estão fazendo aqui? Perguntou a voz estridente do comandante da policia militar daquela guarnição.

- Estamos arrancando mangas! Responderam em uníssono os garotos.

- Vocês plantaram alguma coisa aqui, suas desgraças, para estarem arrancando?! Com toda a cólera repreendia-os o comandante.

Nenhum dos garotos arriscou-se a dizer mais nada.

O comandante cada vez mais ia praguejando, berrando, vociferando, como um furacão aterrorizador.

Os garotos só ouviam de cabeça baixa.

Nessa, época nem os bichos mais assustadores que as pessoas mais velhas contavam que existiam naquela floresta, faziam tanto medo como os policiais. Não havia essa pessoa na comunidade que não tivesse medo de policia. Todas as vezes que aqueles homens fardados entravam no bairro, era o maior corre-corre. Os familiares dos jovens sempre os aconselharam para que eles voltassem imediatamente para casa, quando avistassem a policia chegando.

De repente, os garotos avistaram duas pessoas ao longe andando naquela direção, não dava para identificar quem eram. Foi quando Bomba numa reação inesperada gritou:

Lá vem mais dois lá ó!

Os outros o olharam em reprovação, pois achavam que as duas pessoas que vinham naquela direção eram os seus amigos que foram ao pé de jenipapo, e não só por isso, também revoltaram-se porque, dedo duro, na comunidade, eram considerados como vermes.

Com um trejeito muito rápido, os policiais viraram-se para verificar se era verdade o que Bomba havia dito.

As duas pessoas, eram dois policiais, um era negro, alto e musculoso, parecia mais o Incrível Ruque, carregava uma arma muito temível e cobiçada. A chamada 12 (doze), muito conhecida por ser usada pelos heróis nos filmes de ação.

O outro policial era branco e franzino, parecia Charles Chaplin em filme de terror, carregava uma arma gigante, maior que ele.

Os dois policiais cumprimentaram o comandante e ficaram conversando por um tempo, enquanto os garotos ficaram ali parados impacientes desejando que aquele dia não passasse de um pesadelo. O comandante então voltou-se para os garotos, berrou mais alguns palavrões e fez um sinal para o Incrível Ruque. Esse aproximou-se dos garotos e exclamou:

- Já matei dois ali, agora vou matar vocês três. Os três a quem ele se referia eram os mais velhos; Bulu, Ovo de Bode e Passarinho.

Duas tristezas simultâneas envolveram os seus corações; a primeira foi que imaginaram que os dois que o policial havia dito ter matado, deveria ser seus amigos que foram ao pé de jenipapo. A outra tristeza era de imaginar que a qualquer momento estariam mortos.

Borô pensou em seu irmão, não poderia imaginar que aquilo estivesse acontecendo, alguém iria acabar com a vida da pessoa que mais admirava, a impotência de não fazer nada para defendê-lo, deixou com lágrimas nos olhos.

O Incrível Ruque ergueu sua arma, dobrou-a ao meio, retirou do bolso três balas enormes. Borô ficou impressionado com o tamanho daqueles projeteis, só havia visto aquilo nos filmes.

O policia levantou a arma apontou na direção dos três destinados. As pernas de Borô tremiam tanto que chegava a bater uma na outra, era difícil pra ele até manter-se em pé de tanto tremer.

O comandante fez sinal para o outro policial aproximar-se dos garotos, caso eles quisessem fugir, este ficou bem próximo de Borô.

O Incrível Ruque escalou a arma, fez cara de monstro e de repente...

CATAPUM...!

O policial que estava perto de Borô tacou-lhe um cascudão na cabeça e seguindo a fila, foi dando cascudos em todos os outros garotos, até chegar em Bomba.

Quando o policial levantou a mão para dar um cascudo nele...

- BUÀ! BUÁ! Bomba abriu a choradeira como um bebezinho, o policial apontou a arma na cabeça dele e disse:

- É o quê seu filadaputa?! você nem apanhou e já estar chorando?!

Bomba numa fração de segundos engoliu o choro. O policial deu um cascudão na cabeça dele.

O comande então ordenou:

- Ói! Eu vou contar de um até três e quem ainda tiver na minha frente vai levar chumbo:

- 1...

Ao ouvir o 1, os garotos saíram numa disparada alucinante, Bomba quando deu a partida levou um pontapé na bunda, saiu catando ficha e o policial caiu na gargalhada.

- Pega! Gritou o comandante dando risada.

A correria foi tanta que ninguém queria perder sua posição, Borô escorregou na lama, ainda no chão abriu os braços para que ninguém pudesse ultrapassá-lo. Levantou-se rapidamente e saiu em disparada.
CAÇADORES DE MANGA


Em meio a correria, todos começaram a rir sem parar, não sabiam porque estavam rindo, talvez o alívio de terem escapado daquela situação.

Mais aliviados, já fora da floresta, lembraram-se dos três amigos que foram para o pé de jenipapo, decidiram então, ir atrás dos pais deles para avisar o ocorrido. No caminho para casa avistaram Lu e Barroso. Correram de encontro uns aos outros em meio a gargalhadas. Contaram tudo que havia acontecido com eles. Barroso falou que quando os policias mandaram eles correrem, arremessaram jenipapos nele e em Lu, Barroso falou ainda que quando ele pulou da árvore havia caído em cima das folhas de cansanção( planta venenosa que irrita a pele), foi fácil de identificar, pois seu corpo estava todo marcado pelo veneno da planta.

De repente notaram que ainda faltava alguém, Renato. Barroso disse que Renato havia corrido quando os policias chegaram.

No caminho de casa algumas pessoas falaram para ele que Renato tinha ido pra casa, era engraçado como todas as atenções estavam voltadas para eles, pareciam artistas famosos. Algumas pessoas haviam sido alertadas por Renato o que havia ocorrido, então rapidamente espalharam a noticia no vento.

Ainda no caminho de casa, iam relatando os detalhes daquela aventura sinistra, vez ou outra caiam na risada com alguns relatos, como no exemplo do choro e o pontapé que Bomba havia levado.

Quando chegaram na rua onde moravam, todos já sabiam o que tinha acontecido, menos os seus pais e os vizinhos, pois Renato, foi para casa da tia onde sua mãe estava. Avistaram então Renato que já se preparava para sair com sua mãe e outros familiares em busca deles. Porém não foi preciso, estavam todos ali; cortados pelo mato, marcados pelas plantas venenosas, marcados pelo medo, mas estavam ali, sãos e salvos.

No decorrer do dia, o bairro inteiro só comentava o que havia ocorrido naquela floresta. Durante o show da banda Olodum houve um assalto, o que explicava a presença dos policias naquele lugar. Os caçadores de manga não foram os únicos a serem detidos pela policia naquele dia, houve ainda a prisão de outros garotos que estavam na floresta, mas que não tiveram a mesma sorte deles. Muitos foram detidos em um módulo policial da comunidade como suspeitos do assalto. Neste dia houve uma grande mobilização dos grupos organizados da comunidade para libertá-los.

Felizmente o dia acabou bem para todos.

Esse acontecimento foi assunto de rodas de conversas ainda por vários dias na comunidade e desta forma marcou o final de uma grande aventura da infância destes garotos. Os quais dizem que a história apesar de sinistra, será contada para os seus netos.

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